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segunda-feira, setembro 12, 2005


Não sei. Tenho horror à idéia de tornar-me literário, de começar a redigir no ato de escrever.
O que me dificulta, hoje em dia, a leitura dos escritores em geral, com pouquíssimas exceções, é justamente esse detestável defeito. Mal sinto, em lugar de estilo, o menor maneirismo, a menor fita, largo o livro de mão. Acho-os, na maioria, uns chatos, só contam o que todo mundo já sabe ou logo adivinha. A vida é infinitamente mais rica que suas palavras – e estou certo de que mesmo os mais mediocres são portadores de experiências que nas mãos de um bom romancista ou um bom biógrafo dariam matéria de interesse universal. Pois tudo tem interesse, mesmo o coito de duas moscas, desde que provoque no ser que o observa um reflexo vital.
Vale dizer que pouca gente vive: esta é a grande verdade; vive no sentido de queimar-se sem reservas, sem preconceitos, sem atitudes, sem julgamentos canonizados por uma moral convencional imposta. Mas, por outro lado, eu não gostaria de escandalizar. Escandalizar pode ser também uma forma infame de vaidade, um processo autocomplacente de criar uma antimoral como justificação de taras ou fraquezas pessoais. Não: eu sou um homem que, até certo ponto, venceu as barreiras do medo de viver, e viver é, hoje em dia, para mim, um ato simples, perturbado apenas pelas neuroses conseqüentes do simples ato de viver. A vida, trata-se de cumpri-la bem, sem outro temor que ter de apertar-lhe as rédeas. Ai de mim, que ilusão! – dizer isto na quadra dos cinqüenta, quando os frutos do amor crescem cada vez menos ao alcance das mãos, do meu desejo...
Rio de Janeiro, 1969, Vinicius de Moraes
excerto de Anteato:palavra por palavra(I)