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domingo, abril 09, 2006

a deliciosa desarrumação de um escritório
Uma das minhas lembranças de infância mais tranquila é o prazer que tinha ao observar o escritório do meu tio Fernando.
Os meus olhos fixavam-se numa colecção de livros invejável, que se apresentavam verticais numas estantes que preenchiam as paredes, agrupados por várias colecções. Estavam lá todos: os clássicos da literatura, os livros RTP (com aquelas bolinhas na lombada e os títulos mais surpreendentes, desde "O médico em casa" a "Ver televisão a cores"), as enciclopédias e dicionários, os atlas, os livros de viagens. Ao descrever ainda consigo sentir o cheiro, um cheiro que hoje procuro em todos os livros.
Depois, a secretária, impecávelmente desarrumada, com uma revista ou jornal abertos, com post-it antigos (daqueles que não eram fluorescentes, não colavam e não eram caros) cheios de notas de ideias frescas, contactos ou compromissos. Ao lado, um computador, que substituíra a máquina de escrever e era substuído consoante a tecnologia (o meu tio, apesar dos cabelos brancos, é um modernaço).
À frente da secretária os sofás verde musgo com uma pequenina mesa à anos 70, com rodinhas, branca e cor de laranja, de material parecido com plástico com três sítios para pôr as garrafas, sempre vazios. A luz entrava por duas portas, cujos estores tinham um coração cavado na madeira verde que os constituía, que a irmã sempre associou aos contos de fadas (talvez por causa da casinha de chocolate).
Por fim, na parede, junto à porta, estava um cartaz que nunca mais esqueci. Mesmo antes de lhe compreender o significado, percebia naquelas manchas de cor, algo a que não conseguia ficar indiferente.